Carla Furtado Ribeiro, "Bilhete de Mário Ruoppolo para Beatriz"

"Il Postino", Cinema

Beatriz,

Hoje não quero sonetos
Quero desfazer poemas
Arruinar palavras ordeiras
E perfilá-las no (des)oriente da imaginação.

Beatriz,

Perfilá-las assim desperfiladamente
Porque o que eu quero mesmo
É destruir somente
A parte da palavra que não sente
Aquele pedaço de letra que desmente
A alma de quem escreve.

Beatriz,

Bem sabes… um poema
Que não tenha alinhamentos, nem pontos
Nos pensamentos, nem nos  is dos “is”igentes

Não sou uma máquina de produzir "mentáforas"
Impertinentes.

Mas, um poema assim como num futuro antigamente
Que não se sente, que de si próprio duvida e a si 
Mesmo se desmente

Um poema claro mas declaradamente
Liberto de (fitas) métricas, progredindo

Em direcção ao espaço sideral
Onde as letras mortas e as línguas antigas
Jazem em forma de estrelas.

E aí, com sua bênção estelar, desenvolver
Uma nova poética, a poética da 
Desordenação das palavras,
A poética sem métrica e sem formas,
Que é o mesmo que dizer sem rodeios…

Enfim, Beatriz,

Queria, se possível,
Um poema que nem tivesse palavras...

Como tu e como eu

Poemas que o são

Sem precisarem de ser mais nada...




                       (Mas, não prescindo de sonetos)



Adeus

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